20 de junho de 2015

Canção pra não dançar

A bailarina já não quer dançar
No palco que agora se transformou
Em piso de madeira, em pano e luz
E só, e só

Aquele que antes era o seu lugar
Agora já não lhe pertence mais
Já não se sente mais parte dali
Foi só, foi só

Uma fase de experimentação
De novos ares para respirar
A algo novo poder se entregar
Sem medo nem segredo

Mas como toda fase, essa acabou
Ou está por acabar
E enquanto um renovo não vier
A bailarina não quer mais dançar

Agora nada de ponta dos pés
Agora nada de pliès, sautès
Nem piruetas, glissades, cambrès
Já basta, já basta

Agora nada de dança por dança
De um corpo vazio a se mover
Quase sem vida, quase sem nada
Já basta, já basta

A sapatilha, ela vai pendurar
Para enfeitar seu quarto e poder
Sempre ver e lembrar

Que um dia ela quis se arriscar
Que um dia ela, como flor, se abriu
E essa canção ela já quis dançar


18 de junho de 2015

FuneSarau


Quando eu morrer
Enfeitem a capela com poesia
Despejem poemas
Sobre o meu caixão

Porque a morte
Tão triste para quem fica
Pode ser menos sentida
Com um soneto, uma canção

Quando eu morrer
Não chorem suas lágrimas
Transformem seu pranto em palavras
Em versos, estrofes e rimas

Pois eu
Se em vida fui poeta
Na morte hei de ser lembrada
Pelas letras, minha grande sina

E se quiserem
Ainda podem declamar
Os textos que escrevi
Ou mesmo Quintana, Cecília

Vinícius
Também pode estar lá
Junto com Fernando Pessoa
E outros fazendo-me companhia

Recitem até mesmo este poema
Que faço agora
Como um último pedido

E quando o meu dia chegar
Respeitem-me
A carne é morta mas o espírito, vivo

Não quero tristeza
Ao menos não tanta assim
Afinal estarei em paz
Vivendo com querubins

E de suas asas
Algumas penas vou arrancar
Pedir-lhes emprestadas
E meu trabalho continuar

Vou escrever
Com elas poemas divinais
Canções para os concertos
As orquestras celestiais

Façam o que peço
Transformem em sarau
A dor que sentirem
No dia do meu funeral

8 de junho de 2015

From the bus window

Da janela do ônibus vejo a vida passar
Vejo luzes e cores, mesmo quando o caminho é escuro
Há pessoas nas calçadas
Automóveis rumo a estradas
Prédios, casas, comércio e jardins
Dos muros de concreto às grades de ferro
Todos passam por mim

Da janela do ônibus vejo traços, vultos
Pedaços de imagens
Que correm diante de meus olhos
Há crianças, casais e indivíduos solitários
Trabalhadores, estudantes
Indo e voltando, apressados ou a passos lentos
Imagino para onde vão e o que há em seus pensamentos

Será que me veem?
Se me vissem o que veriam?
Pensariam quem eu sou e para onde o ônibus me leva?
Se eles tivessem tempo para isso...

Meros passantes, viventes
Caminhando, correndo
Ou parados nos semáforos
Esperando a hora de iniciar seus passos

Mas não passageiros
Que, como eu, inertes
Apenas os avistam e esperam a próxima parada

Porque só da janela do ônibus
É que somos observadores da vida
E até de nós mesmos

4 de junho de 2015

Morta-viva

Para onde fui, que não voltei e nem sei se volto?
Quem me arrancou todo o querer que um dia tive?
Será que arrancaram-no de mim
ou será que, dele, me desfiz deliberadamente?
E, se, deliberadamente me desfiz,
por que deliberadamente não o posso fazer ressurgir?

Para onde fui?
Quem me levou e não me trouxe de volta?
Fiquei perdida no tempo que parou
ou foi o tempo que passou e perdeu-se de mim?
Se, parado, o tempo, por que lá não permaneci?
Por que corri para este hoje insosso e vazio?

Sinto falta de sentir falta...
Sinto desejo de desejar
Mas nem mesmo o desejo se faz voraz
a fim de mover-me para outro lugar

Sinto falta de sentir
Pois, antes sentir, ainda que doa
do que não doer, mas permanecer
numa existência morta
neste mundo de gente viva e vívida

Ser pensante

Tento dormir, mas algo me impede. Viro-me, remexo-me no colchão. O sono já se foi. Escapou de mim. Substituíram-no meus pensamentos.

Sempre os pensamentos. Estes nunca fogem. Pensar e pensar, é só o que faço. Nenhum agir.

Sentir-me leve e livre parece-me impossível. Dar asas aos sonhos, buscá-los, querê-los. Mas não, o ser pensante que sou jamais me permitirá a transformação. Mutação tão necessária!

Quem me dera a pensadora se tornasse sonhadora, sendo então a tecedora de seus próprios sonhos. Para fazê-los, sabê-los. E os ter concre(tos)tizado.