24 de março de 2015

A história clichê de Alice

Alice Castanho não sabia o que queria da vida: se um amor, se a solidão, se independência ou o colo dos pais para sempre. Mas a última opção, teve de descartar, não cabia à realidade. Todos um dia se vão, até Alice.

Às vezes sonhava com o momento em que despertaria para o mundo, sairia de mochila nas costas para descobri-lo e descobrir-se. Porém, não tinha coragem para tanto; sozinha não seria capaz de ir a lugar algum – ainda que convivesse bem consigo mesma, sendo sua melhor companheira. Outras vezes, sonhava em encontrar alguém como ela, que tivesse os mesmos desejos confusos, os receios escondidos, os segredos descabidos e as crenças – essas não poderiam faltar. Assim, Alice teria a chance de se ver no outro e, o outro, de ver-se nela para, juntos, descobrirem quem eram de fato.

Ah, Alice... Seu jeito doce de menina combinado a uma maturidade sem igual tornavam-na uma jovem mulher bem interessante. Embora não estivesse certa sobre o que queria da vida, de uma coisa ela tinha total certeza: felicidade seria seu sobrenome.

Um dia, acordou determinada a mudar sua história. Pegou sua bicicleta, pedalou sob o sol da manhã e chegou ao parque da cidade. Aquele ambiente a inspirou e, subitamente, ela entoou uma canção. Sua voz atraiu os ouvidos atentos dos que por ali passavam, até que juntou-se uma multidão para admirar aquele belo espetáculo. E Alice decidiu: queria ser cantora.

Começou no parque, depois foi tomando as praças, e após algum tempo, já participava dos festivais de música, ficando sempre entre os primeiros colocados. Alice tinha uma voz incrível e uma emoção que transparecia aos seus ouvintes, encantando-os.

Certa vez, num pequeno show, cantou , como convidada, um dueto que parecia celestial. A voz um tanto rouca do outro cantor combinou perfeitamente com a leveza de seu timbre, e juntos foram ovacionados pelo público. Ao despedirem-se, trocaram telefone, e-mail e também olhares, prometendo combinarem o próximo evento.

A partir dali, conversaram todos os dias, encontraram-se muitas vezes e algo estranho aconteceu. Alice e o tal cantor não puderam evitar, mas daquela troca de olhares, um abraço surgiu. Nada mais importava enquanto estavam nos braços um do outro; era seguro, acolhedor, confortável. E aquilo foi se transformando, até que um beijo nasceu, o melhor de suas vidas.

Tinham medo do que sentiam, mas decidiram enfrentar. Juntos, um se apoiou no outro, e já viveram inúmeras aventuras: viajaram de mochila nas costas, ganharam (e continuam ganhando) uns bons trocados com a música, compraram um apartamento e estão decorando o quarto do bebê que deve chegar a qualquer momento.

Ah, Alice, sua vida tornou-se um clichê. Mas você não liga para isso, pois está feliz e já sabe o que quer: em vez do colo dos pais, agora quer ser aquela a ter um colo a oferecer.